Nem impeachment, nem Governo, nem Eleições Gerais! Construir o Poder Popular!

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*Texto do jornal Causa do Povo nº74 – Abril/Maio de 2016

CRISE POLITICA

Nem impeachment, nem Governo, nem Eleições Gerais! Construir o Poder Popular!

A crise política evoluiu para uma polarização que exige uma resposta. A consolidação do afastamento de Dilma aprovado no último dia 12 de maio no Senado Federal, bem como as manifestações dirigidas pelo bloco burguês-conservador e as outras manifestações do bloco socialdemocrata-governista, mostram que tal polarização alcançou um nível significativo. Hoje, a ofensiva burguesa se mostra sob a forma de um golpe institucional dentro de um Estado de Exceção criado pelo bloco no poder do qual o PT fez/faz parte e que agora quer tirar as funções dirigentes do PT por meio do impeachment.

A geopolítica por trás da crise

A crise de 2008 levou à estagnação nos países centrais, Estados Unidos e União Europeia. Uma das soluções encontradas foi a exportação de capitais para os países periféricos. Isso possibilitou uma nova aliança entre o capital nacional, o capital estrangeiro e Estado em torno de políticas de crescimento. Foi nesse contexto que o Governo Lula teve seu “período de ouro”.

Além disso, nos principais países da América ocorreu um esgotamento dos governos conservadores e ascenderam governos liberais ou socialdemocratas. Essa coalização regional promoveu um relativo desenvolvimentismo em face das formas reacionárias e impostas anteriormente pelo Partido Republicano e por Bush nos EUA.

Mas essa tendência não atacou os fundamentos econômicos da dependência, ao contrário. Por isso, depois da crise de 2008, esses governos foram todos envolvidos num compromisso de superar a crise.

Além disso, a luta para controlar recursos energéticos foi fundamental no período 2011-2012, em que os EUA voltou a adotar estratégias militares na Líbia e na Síria. O controle do petróleo na Líbia foi importante para a redução do preço do petróleo que favoreceu o barateamento dos custos de produção nas economias centrais e ajudou na recuperação econômica dos EUA. Mas esse equilíbrio era instável. Isso porque a concorrência capitalista se intensificou depois de 2008, e o Oriente Médio era instável. A descoberta do Pré-sal no Brasil e as reservas na Venezuela se colocaram como uma grande alternativa. Assim, os EUA se voltou para a América Latina com uma política mais agressiva de controle imperialista.

O capital estrangeiro fez uma série de exigências para garantir seu retorno para a América Latina. E os governos da região aceitaram. No Brasil, foi criado um Estado de Exceção para garantir os investimentos. Entretanto, um fator afetou bastante esse quadro: as lutas grevistas aumentaram junto coma a presença do capital estrangeiro, de modo que os trabalhadores conseguiram contínuos aumentos acima da inflação. O PT demonstrou uma frágil capacidade de controle das greves e o aumento da massa salarial levou a perda de vantagem dos patrões. Isso foi um fator importante para a fuga de capitais a partir de 2014, que coincide com o início da crise política do bloco PT-PMDB, já fustigados pelo Levante de Junho de 2013.

Com a fuga de capitais, a balança comercial desfavorável pela queda do preço das commodities e a grande renúncia fiscal realizada para salvar o capital da crise, o Estado estava devendo e a economia em recessão. A crise alcançou o Brasil de forma estrutural.
A fuga de capitais minou o bloco no poder por dois motivos: 1) provocou um realinhamento do imperialismo, com os EUA diminuindo a margem de tolerância para divergência em relação a seus interesses, e atacando pela concorrência os países dos BRICS e governos que lhe tinham sido altamente favoráveis (como o do PT); 2) fatores de ordem política e ideológica interna aceleraram a ruptura nesse bloco e criaram a ocasião para a ofensiva burguesa e a tentativa de golpe institucional.

Para permanecer no governo o PT atacou o povo e criou as condições de sua queda

O PT participou da construção da aliança entre a aristocracia operária do principal subgrupo operário, os metalúrgicos do ABC, a indústria automotiva e toda cadeia do agronegócio. Além disso, a aliança não se construiu em contraposição à hegemonia financeira.

  • Infraestrutura e logística a serviço do capital

Internamente o governo avançou os grandes projetos de infraestrutura interligados ao IIRSA dando origem ao PAC, que foi um processo de reestruturação da estratégia de acumulação do capital nacional e estrangeiro. Os investimentos do PAC foram direcionados para atender os setores internacionalizados da indústria (Petrobras, Vale do Rio Doce), infraestrutura energética (capital estatal) e capital nacional (grandes empreiteiras e certos setores da indústria de transformação). O PAC foi estruturado para servir e dar suporte à indústria de transformação no Sudeste, à indústria energética e ao agronegócio, atingindo as comunidades quilombolas, indígenas, ribeirinhas e camponesas.
Além disso, o PT não reverteu as privatizações da estrutura produtiva e avançou na privatização da estrutura de circulação de mercadorias e pessoas (rodovias, ferrovias, hidrovias e aeroportos).

  • A aliança com a CNA e com a FIESP

A luta pela terra retrocedeu e poucas terras foram homologadas. O primeiro mandato de Dilma foi o que menos assentou em toda história da reforma agrária. No segundo mandato Dilma escolheu Kátia Abreu, líder da CNA, para o Ministério da Agricultura. O PT se aliou ao agronegócio e aos latifundiários. Essa aliança abdicou de qualquer política de redistribuição de terras, e direcionou para sua base um aumento de crédito agrícola e de alguns programas para a chamada “Agricultura Familiar”. Os indígenas e camponeses que não se renderam ao pacto foram duramente reprimidos com o silêncio dos governistas.
A crise de 2008 aproximou ainda mais os industriais e a CUT, que passaram a organizar atividades conjuntas (tal como a marcha da FIESP, ABIMAQ, Força Sindical e CUT em 18/10/2011). Por outro lado, a CUT e o PT sabotavam as lutas e greves. No entanto, as greves passaram a acontecer à revelia das direções sindicais e partidárias, como em Jirau e Santo Antônio, e as emblemáticas greves dos professores do RJ de 2013, a onda de greves de rodoviários em 2014 e dos garis do RJ em 2014, entre outras.

  • A construção do Estado de Exceção e violência contra o povo

Para garantir esse desenvolvimento capitalista e a aliança o PT teve um papel ativo na construção do Estado de Exceção, do desenvolvimento do Estado Penal-Policial. Segundo sua própria propaganda conferiu cada vez mais poder e aumentou o efetivo do Judiciário e das forças de repressão.

A política do governo diante do Levante de 2013 foi de aumentar a perseguição e prisão de atividades e manifestantes, bem como a criminalização das lutas sociais. A repressão e a violência nas favelas e periferias, principalmente contra a juventude negra, não arrefeceu nem um pouco. Os assassinatos no país, fundamentalmente nas favelas, periferia e nos campos, somam 50 mil por ano.

Para garantir a realização da Copa e os lucros da FIFA o governo editou a Lei Geral da Copa e a Garantia da Lei e da Ordem (GLO) que criminalizou as lutas que ocorressem no período dos megaeventos. A recente “Lei antiterrorismo”, sancionada pela presidente Dilma, não é nada mais que a ação do Estado e da classe dominante contra o povo. A Lei Antiterrorismo é o “AI-5 da democracia”. E um dia antes de ser afastada, assinou a Lei Geral das Olimpíadas.

A burguesia rompe o pacto com o governo

Em nenhum momento o PT atacou os setores conservadores. O exemplo mais claro disso, são as eleições de 2014, a agenda Brasil de 2015 e o Ajuste Fiscal iniciado em 2015. Em meio a toda a crise o partido procurou o tempo todo costurar suas alianças por cima angariando apoio dos setores conservadores, inclusive de cunho religioso, em troca de apoio parlamentar e eleitoral, tentando se manter no bloco no poder. No entanto, os desdobramentos da crise política e da ação judiciário, a crise econômica, a política recessiva de Dilma e o descontrole da CUT das lutas sociais que pipocam nas bases estudantis e de movimentos sociais parecem ter determinado a posição burguesa de romper o bloco no poder.

A burguesia se lançou à ação de massas, coordenada com o poder judiciário e policial ultra centralizado e fortalecido pelos governos do PT, usando esses instrumentos criados e fortalecidos pelo PT contra ele mesmo. Essa ação de massas, combinada com a cisão parlamentar e o uso do poder judiciário, consolidaram a decomposição do bloco no poder com saída progressiva da indústria (FIESP), da agricultura (Bancada ruralista) e outros setores.

A composição de classe, organizativa e ideológica dos blocos

Do ponto de vista de classes, o bloco burguês-conservador é composto pela grande burguesia industrial, agrária e financeira, ela também conseguiu integrar uma pequena-burguesia raivosa, especialmente em razão deste último setor ter sido arruinado pela crise de 2008 e pela concentração de capital promovida pelo modelo econômico do PT.
Mas esse bloco tem mobilizado um grande número de trabalhadores, especialmente servidores públicos de governos diversos que tem o PT como patrão. Do ponto de vista ideológico, o bloco burguês-conservador é adepto do pragmatismo, mas comporta desde tendências neoliberais até grupos fascistas de extrema direita.

Por sua vez, o bloco socialdemocrata-governista é composto por uma pequena-burguesia desenvolvimentista, por uma aristocracia operária e sindical e por uma tecnocracia de empresas estatais e bancos. Entram como forças de apoio os trabalhadores rurais, massas urbanas e assalariados precarizados.

A contradição é que esses setores de apoio foram atacados pela política do PT. E tudo indica que para permanecer no governo o PT terá de manter o compromisso de atacar sua própria base social. Ideologicamente, esse bloco é hegemonizado pela ideologia socialdemocrata, cada vez mais democrata-liberal, daí sua crença na democracia como valor absoluto e sua dificuldade para romper com o legalismo mesmo quando esta legalidade não significa nada.

Nesse sentido, apesar da polarização estar conduzindo o proletariado às ruas, nenhum dos blocos tem em seus respectivos programas soluções para os problemas materiais das forças de apoio que mobilizam.

A luta e crise do bloco no poder está criando condições para que essas forças de apoio se desprendam dos suas respectivas direções quando ficar claro que estes não irão resolver suas necessidades materiais. É para este momento que os setores revolucionários precisam estar organizados e em condições de intervir em escala nacional.

Cenários e estratégias de resistência

Uma linha revolucionária não terá de imediato o impacto e adesão de amplos setores, exatamente porque estão presos às ilusões criadas pelo bloco de poder em crise. Mas hoje com o golpe institucional mais consolidade após o afastamento de Dilma ou ainda na hipótese deste recuar para um compromisso, esta situação se transformará aceleradamente.

Em todos os cenários a unidade interna dos blocos tende a entrar em crise. O único fator certo é que ocorrerá um amplo ataque em todos os níveis aos trabalhadores e recursos públicos. Por isso hoje não podemos nos deixar capturar pela polarização. Não podemos cair no discurso da defesa abstrata da “democracia”, pois isso implicaria em desorganizar o trabalho preparatório de resistência.

Programaticamente é preciso contrapor as palavras de ordem: 1) Nem Impeachment; 2) Nem a defesa do Governo Dilma; 3) Nem de eleições Gerais Já. Todas essas políticas apontam para solução por cima. Nenhuma dessas políticas coloca no centro a ação das próprias massas.

Por isso, a nossa política deve ser colocar a centralidade na ação autônoma das massas. Esta ação deve ser expressa pelo trabalho de agitação e propaganda em favor do Congresso do Povo, como exercício de um contrapoder, um poder paralelo reconhecido como legítimo pelo povo.

Sabemos que o Congresso do Povo não será construído imediatamente, mas as assembleias populares e conselhos, seus embriões locais podem (assim como em 2013 surgiram fóruns, assembleias e etc.). Além disso, devemos reconstruir um sindicalismo revolucionário que dê organicidade aos militantes combativos nos locais de estudo, trabalho e moradia.

Por isso conclamamos todos os anarquistas e revolucionários a somarem-se à construção da resistência autônoma e ação direta de massas nos marcos dessa linha de ação: pela organização imediata de assembleias populares autônomas; pela construção dos grupos embriões do sindicalismo revolucionário; pela defesa do Congresso do Povo como alternativa classista e antissistêmica à crise política.

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“O PT confundiu o fato de ter sido integrado num bloco de poder, essencialmente histórico, isto é, transitório, com a ilusão de ter sido integrado à classe dominante. A crise do bloco no poder mostra que o alinhamento conservador (burguesia nacional, capital estrangeiro-imperialismo) não comporta mais representantes de uma pequena-burguesia reformista e da aristocracia operária. A exclusão do PT do bloco no poder é apenas o primeiro passo de uma grande ofensiva contra a classe trabalhadora, ofensiva esta que não teria sido possível sem o papel cumprido pelo PT.”

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Leia mais sobre a posição anarquista frente a crise:

Sobre União Popular Anarquista - UNIPA

A União Popular Anarquista (UNIPA) é uma organização política revolucionária bakuninista. A UNIPA luta pela construção do socialismo no Brasil. A estratégia revolucionária da Unipa aponta que somente a ação direta das massas e a luta de classes são capazes de realizar conquistas imediatas, econômicas e políticas, para a classe trabalhadora. A UNIPA entende que somente a revolução, que se coloca como desdobramento da luta de classes, é capaz de viabilizar a construção da sociedade socialista. A UNIPA foi formada em 2003, reunindo militantes do movimento estudantil, sindical e comunitário, alguns dos quais participavam do coletivo Laboratório de Estudos Libertários (LEL). O LEL publicou o Causa do Povo e a revista Ruptura que passaram a ser órgãos da UNIPA a partir de então. Entre em contato: unipa@protonmail.com
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